Negócios jurídicos e as trocas voluntárias são práticas inerentes à vida em sociedade. Todos aqueles que vivem em uma sociedade livre celebram, diariamente, contratos dos mais diversos, desde a aquisição de bens e serviços corriqueiros até contratos mais complexos e com objetos específicos.
As formas de contratação e execução de serviços vêm evoluindo ao longo do tempo, acompanhando as transformações sociais e tecnológicas. Nos anos mais recentes, algumas características e regras mudaram de maneira ostensiva.
Hoje, grande parte dos serviços que as pessoas utilizam no dia a dia são prestados de forma digital.
No caso das instituições financeiras, por exemplo, os serviços oferecidos aos consumidores são predominantemente eletrônicos, até porque a própria moeda, hoje, é “digitalizada”.
O consumidor que quer realizar um depósito, uma transferência bancária, solicitar pagamentos e contratar empréstimos não precisa mais ir pessoalmente à agência bancária para tanto. Inclusive, hoje há uma série de instituições financeiras que sequer possuem uma agência física para prestação de serviços desta natureza.
Assim como a prestação dos serviços, a formalização dos contratos também tem sofrido alterações pelo advento de novas tecnologias. Com o aumento e aprimoramento da digitalização dos métodos de validação de documentos, muitos contratos, hoje, podem ser celebrados diretamente pela internet, sem a necessidade de deslocamento pelos envolvidos.
Essa possibilidade abrange, inclusive, os contratos mais corriqueiros, valendo novamente o destaque para os negócios jurídicos atrelados às relações existentes entre clientes e instituições financeiras.
A partir dessas mudanças relevantes, é inevitável o crescimento de discussões e litígios relacionados aos denominados contratos eletrônicos.
Afinal, os contratos eletrônicos são válidos? Em qualquer circunstância? São válidos mesmo quando envolvem uma parte “hipossuficiente” na relação.
O Código de Processo Civil, em seu artigo 784, § 4º, não deixa dúvidas sobre a regularidade (e exequibilidade) dos contratos constituídos por meio eletrônico, cuja autenticação pode ser feita por “qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, dispensada a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura”.
Embora existam autenticadores oficiais e com sistemas mais robustos, como aqueles garantidos pelo ICP-Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira), se houver prova inequívoca da ciência da contratação dos serviços pelo consumidor, o contrato deve ser considerado válido – e as consequências desta contratação devem surtir os efeitos previstos pelas partes.
Nesse ponto, a própria Medida Provisória nº 2.200-2/2001, que instituiu o ICP-Brasil, prevê, em seu artigo 10, § 2º, que “o disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento”.
Sobre o tema, igualmente, o Poder Judiciário vem chancelando, diuturnamente, as contratações feitas por meio eletrônico, inclusive nas relações de consumo. A declaração de validade dos contratos eletrônicos dessa natureza depende, muito mais do que o mero atendimento a questões burocráticas, da comprovação da autenticação e da manifestação de vontade do consumidor
Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo, em recentíssimo julgado, confirmou a validade de um contrato eletrônico celebrado entre um consumidor e uma instituições financeira para formalização de uma Cédula de Crédito Bancário.
Na situação, a Turma Julgadora responsável pelo julgamento da Apelação nº 1004145-63.2024.8.26.0189, em sessão da 21ª Câmara de Direito Privado, realizada no dia 9 de abril de 2025, confirmou a validade da contratação feita pelo consumidor, vez que a instituição bancária comprovou que “o autor firmou cédula de crédito bancário para empréstimo pessoal por forma eletrônica, com captação de autorretrato (biometria facial), além de assinatura eletrônica obtida por aplicativo com conexão pela rede mundial de computadores, além de captação de IP (“Internet Protocol”)”.
No voto condutor, os fundamentos trazidos pelo relator do recurso são muito assertivos em relação à regularidade da vontade inquestionavelmente externada por meio eletrônico, ainda que ausente a formalidade usualmente verificada na modalidade presencial. Eis os principais trechos:
“Após exame dos documentos colacionados, não há indício de fraude a autorizar a declaração de inexigibilidade do débito.
Hodiernamente, a celebração de transações por meio eminentemente eletrônico é fato comuníssimo, dispensando-se maiores formalidades, realizados em agências de autoatendimento, rede mundial de computadores, contatos telefônicos, aplicativos disponibilizados nos “smartphones” etc.
E os meios não presenciais de celebração de negócios só se intensificaram e diversificaram, como corolário implacável da pandemia do vírus corona.
É elementar que os contratos eletrônicos não possuem a formalidade e instrumentalidade dos contratos firmados presencialmente. Nem por isso a obrigação cessa.
Novos desafios se impõem à sociedade com a iminência da assim chamada quarta revolução industrial, não se podendo mais exigir a realização de negócios apenas pelos meios tradicionais consuetudinariamente utilizados há poucos anos”
Em termos objetivos, se não há dúvidas sobre a intenção do consumidor de celebrar um contrato – neste caso, um empréstimo bancário –, não há irregularidade na contratação, de modo que as implicações da celebração do contrato devem ser levadas em consideração pelo Poder Judiciário e pelo próprio contratante.
Nossos profissionais que atuam nas áreas de direito contratual, relações de consumo e direito processual estão sempre antenados às novidades do mercado e à disposição para prestar os esclarecimentos que se fizerem necessários.
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